A AVENTURA

Luis Garcia/ Setembro 2, 2010/ Contos/ 0 comments

“Nós todos e esta vontade, quase certeza de que seremos ainda nós”

 

Sabia que se haviam lançado naquele projecto com a vertigem de uma decisão, que se toma com a seriedade de uma expedição científica, que se pode organizar com a facilidade e a vontade que os anos mais novos parecem fazer com a precisão que o tempo vem colocar em causa. Velhas civilizações pareciam poder estar perdidas algures no pinhal mais próximo, escondidas dos olhares de quem procura lenha, e não tem tempo para voltar a acreditar em sonhos. Por isso, no seu íntimo, sabia que o seu grupo, todo ele, avançaria sem receio, com a energia necessária para palmilhar uma tarde inteira, e fazer dela uma busca de algo que provasse aos olhos dos mais velhos quão séria toda aquela grande aventura podia ser.

A reunião que antecedia tamanha proeza, ensaiada mil vezes nas tardes das férias grandes, previa todas as incidências que pudessem tomar lugar na tarde, que se tornaria em meses, como todas as expedições que viam na televisão nas tardes de domingo. Os mantimentos para tal ousadia, eram debatidos porque as mães acabavam por ter conhecimento destas movimentações, quase secretas, e apareciam sempre com uma sandes de queijo, uns rissóis, uma fatia de bolo, sumo de laranja e fruta.

E partiam rumo ao desconhecido que ainda pudesse haver no pinhal, que ficava a um quilómetro de casa, e sabiam-no diferente de todas aquelas vezes em que seguiam o mesmo caminho, com propósitos mais laborais em companhia dos mais velhos. E a magia encontrava-se assim que penetravam nos primeiros metros de pinheiros, quando uma pedra com uma configuração engraçada trazia a lume a problemática de uma qualquer civilização que, achavam, estariam prestes a vislumbrar; e as mais rebuscadas teorias, enchiam aquele inicio de tarde, que continuava até ao culminar de uma opinião que o grupo aceitasse, com a unanimidade que só se consegue naqueles anos em que tudo é descoberta.
Sabiam que estariam juntos para sempre, tal como em igual proporção, não podiam conceber um tempo em que não houvesse tempo para de novo se poderem juntar e redescobrir cada uma daquelas tardes. Naquela altura tinha a perfeita noção do bem que sabe ter aqueles amigos que sabemos, e cada um deles tinha a certeza, não vão falhar, em momento algum, quando por exemplo precisarmos de partir em busca de uma qualquer caça ao tesouro e tornar fantástica uma das longas tardes de férias grandes.

Engraçado, como aquelas duas palavras, férias grandes, não mais teriam o mesmo significado, nos anos seguintes, não porque os meses não fossem os mesmos, mas talvez porque houvesse nessas férias que passávamos juntos a medida que se pode dar aquelas coisas que nunca nos cansamos de fazer. E inventávamos expedições, resgatávamos pedaços de passado, desconhecendo que se alguma vez o tivéssemos guardado nas mãos, jamais o trataríamos com maior enlevo do que as nossas mãos trataram aquelas descobertas.

Hoje vejo um aglomerado de pedras que talvez em mil anos alguém questionasse enquanto construção humana, possivelmente atribuindo-lhe um significado maior do que alguma vez teve realmente. Para nós foi exactamente do tamanho dos nossos sonhos.

Hoje só consigo ver as pedras, custa-me encontrar o que sonhámos. Lembro-me da cara de cada um deles naquela tarde em que escavámos o quintal em busca da pré-história, de artefactos romanos ou de moedas pré colombianas, como se tivesse existido por aqui um antes e um depois da passagem do navegador. Tudo nos era permitido.

Ainda os oiço a rir e quase consigo ver o local onde também nós soubemos esconder o nosso tesouro. Voltei hoje, lá onde os mapas eram sempre verdadeiros e os piratas tinham tudo a ver com a parte romântica da vida e nada a ver com qualquer fraude bancária feita à distância por computador.

Eu sei que o tesouro continua por ali, exactamente onde me encontro, hoje mais do que nunca sei da importância de não perdermos os nossos tesouros, ou a vontade de os ir procurar.

Um dia, muito antes dos passos dados hoje aqui terem dado o nome de regresso a este momento, sabíamos do nosso destino de heróis. Sabíamos muito bem o que procurar, e o curioso é que não sabendo onde, procurávamos em todos os locais.

Quando eu me tentasse lembrar da ultima tarde de brincadeira haveria de ter a mesma dificuldade em encontrá-la, como se ela fosse também e por si, uma parte do nosso tesouro.

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